quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

LEI DA HOMOFOBIA: UMA LEI, MUITAS POLÊMICAS

Projeto da lei anti-homofobia, que tramita no Senado Federal, causa apreensão entre os religiosos

José Donizetti Morbidelli

Quando foi usado pela primeira vez, em 1972, pelo psicólogo americano George Weinberg em seu livro A Sociedade e o Homossexual Saudável, a palavra “homofobia” não chamou muito a atenção. Não era para menos – àquela época, a homossexualidade era ainda um comportamento restrito, quase marginalizado, que as pessoas fingiam não enxergar. Classificada como doença, a atração física entre pessoas do mesmo sexo era tratada como aberração. O tempo passou, as sociedades se transformaram e hoje quem se diz gay fala de sua própria opção com orgulho. Neste contexto, a tal homofobia, que é modernamente definida como aversão ao comportamento homossexual, passou a ser quase um impropério. E qualquer um que, por convicção pessoal, fé religiosa ou simplesmente liberdade de escolha se diga contrário a essa opção sexual corre o risco de ser visto como preconceituoso.
Pois aqui no Brasil, a questão pode ir bem além do simples choque de opiniões contrárias. Tramita no Senado Federal o projeto de lei 122/2006, apresentado pela ex-deputada federal Iara Bernardi (PT-SP) em 2001. A proposta já passou pela Câmara dos Deputados e agora está sendo avaliada pelas comissões internas do Senado, formalidade necessária antes de seguir para votação plenária. Se chegar a ser aprovado e sancionado pelo presidente da República, o projeto, também chamado de Lei da Homofobia, pode causar sérios problemas para quem discriminar pessoas homossexuais em função desta condição. A proposta tem pontos incontroversos, como a proibição à demissão de um funcionário pelo fato de ele declarar-se gay. Em contrapartida, pode criminalizar quem se manifestar contrariamente ao homossexualismo – em tese, até mesmo uma pregação religiosa sobre o assunto pode levar seu autor para a cadeia.
O que causa preocupação, além do caráter extremamente subjetivo dos artigos do PL 122/2006, é o rigor das penas cominadas, que podem chegar a até cinco anos de reclusão. Entre as justificativas que Iara utilizou para elaborar o projeto, está o que chamou de “dever de encontrar mecanismos que assegurem os direitos humanos, a dignidade e a cidadania das pessoas, independente de raça, cor, religião, opinião política, sexo ou orientação sexual”. E é justamente esse último item que promete fomentar as discussões. O texto diz ainda: “O que estamos propondo é o fim da discriminação de pessoas que pagam impostos como todos nós. É a garantia de que elas não serão molestadas em seus direitos de cidadania”.

Pressão – Desde a votação do projeto pelos deputados, iniciaram-se diversas manifestações de grupos preocupados com o que sua possível aprovação pode desencadear. O advogado Zenóbio Fonseca, consultor jurídico e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), iniciou uma campanha evangélica de pressão sobre os parlamentares a partir da publicação de seu artigo A Criminalização da Homofobia no Brasil. Foi a deixa para que milhares de pessoas sobrecarregassem as caixas de e-mails e congestionassem as linhas telefônicas de deputados e senadores. Em março de 2007, a senadora Fátima Cleide (PT-RO), indicada para relatar o projeto na Comissão de Direitos Humanos do Senado, solicitou a retirada da matéria da pauta para uma profunda análise antes do relatório final.
Segundo Fonseca, o projeto entra em conflito direto com os princípios irrevogáveis de garantia às liberdade de pensamento, de consciência e de religião estabelecidos no Artigo 5º da Constituição Federal – e isso, segundo o estudioso, já justifica o arquivamento da medida. “As pessoas que pregarem a Bíblia e seus valores éticos, morais, filosóficos ou psicológicos poderão ser enquadrados e penalizados pela lei anti-homofobia”, preocupa-se. Ele se refere aos diversos textos das Escrituras que condenam o comportamento homossexual como pecaminoso diante de Deus. Desde seus primórdios, a Igreja Evangélica, com base nestes escritos, prega que os praticantes da homossexualidade precisam abandoná-la se quiserem a salvação em Jesus. “Estamos a um passo de uma possível perseguição religiosa por expressar a fé e seus valores genuínos”, continua o advogado. Ele lembra que o Conselho Federal de Psicologia já expediu uma norma proibindo os profissionais da área de interferir na mudança de orientação sexual de seus pacientes, mesmo que por solicitação dos próprios. “Já houve até psicólogos sendo processados por isso”, diz. “O papel do profissional ou do conselheiro espiritual é apoiar aqueles que, por si próprios, desejam mudanças em suas vidas”, frisa, por sua vez, a psicóloga Rozangela Alves Justino. Bastante criticada por apoiar os que, voluntariamente, demonstram interesse em deixar a homossexualidade, ela se tornou uma persona non grata pelos movimentos GLBTS (assim designados os grupos de defesa de gays, lésbicas, bissexuais, transgêneros e simpatizantes). “Não há uma terapia própria para pessoas que vivenciam a homossexualidade, e sim para o ser humano”, explica a terapeuta. Rozangela, que é evangélica, se diz contra projetos que venham reconhecer qualquer direito dos homossexuais. “Do ponto de vista bíblico, a homossexualidade é considerada pecado que poderá ser perdoado se houver arrependimento e desejo de mudança por parte do pecador”, comenta.
Em seu artigo publicado no site pontojuridico.com, o promotor de Justiça do Rio Grande do Sul Cláudio da Silva Leiria expressa temor de que a aprovação do PL 122/2006 possa abrir precedentes perigosos. “Quem sabe se o próximo passo não será proibir a utilização da Bíblia, já que, em uma passagem, o apóstolo Paulo recrimina a conduta de homens que se deitam com outros homens?”, desafia. E ele aponta a mídia como grande responsável pela massificação do estilo de vida homossexual. “A causa gay ocupa cada vez mais espaço nos meios de comunicação e nas artes. Há décadas, as telenovelas vêm propagando a ideologia homossexual, solapando valores muito caros à família brasileira e deformando sua opinião”, diz.

Restrição às pregações – “Muitos estão se mobilizando contra o projeto anti-homofobia por perceberem que as implicações, cedo ou tarde, atingirão em cheio sua liberdade de expressar o que a Bíblia diz sobre o homossexualismo”, destaca, por sua vez, o escritor evangélico Júlio Severo, autor do livro O Movimento Homossexual (Editora Betânia). Fato é que, no Congresso Nacional, assim como na sociedade, o assunto rende muita discussão. Parlamentares ligados às igrejas Católica e Evangélica temem que a aprovação do texto, como está, possa acirrar ainda mais o patrulhamento que os críticos do comportamento homossexual têm sofrido. “Não são somente os evangélicos que são contra, mas também os católicos, espíritas, até mesmo os ateus”, aponta o senador Magno Malta.
Para Marcelo Crivella, senador ligado à Igreja Universal do Reino de Deus, a nova lei pode interferir diretamente no cotidiano das pessoas. Isso porque, segundo ele, a nova lei favorece até mesmo o chamado homoerotismo em público – as expressões físicas de afeto entre pessoas homossexuais. Isso porque o projeto da deputada Iara Bernardi pretende combater qualquer um que reprima a exposição dessa afetividade. Mas uma das maiores preocupações de Crivella, que é um dos encarregados de analisar o projeto, é em relação à restrição das atividades pastorais caso vire lei: “Um sacerdote, seja católico ou evangélico, não pode ser proibido de pregar que o homossexualismo é pecado. E toda igreja deve ter o direito de afastar um padre ou pastor por questões que contrariem seus princípios religiosos”, ressalta.
Silas Malafaia, um dos mais conhecidos pastores do país, se diz bastante preocupado com a possibilidade de enquadramento de pregações com teor crítico à homossexualidade. “Nada tenho contra as pessoas que adotam esse tipo de comportamento, mas não vou parar de pregar que homossexualismo é pecado”, desafia, com seu estilo característico. Ligado à Assembléia de Deus, Malafaia mantém no ar o programa de TV Vitória em Cristo, que tem sido uma tribuna para sua campanha “Diga não!” – o objetivo é incentivar os crentes a se manifestarem contra a aprovação do projeto.
Para o bispo Robinson Cavalcante, da Diocese Anglicano do Recife (PE), os direitos de cidadania dos homossexuais já são suficientemente garantidos pelo ordenamento jurídico vigente no país. Por isso, ele critica a lei anti-homofobia: “Esperamos que os defensores da ética e da instituição familiar, e das diversas religiões, possam se unir e derrotar todos os projetos de leis que sejam uma violência contra a moral, a sanidade pessoal, social e a família”, sentencia. Autor do livro Reforçando as Trincheiras (Editora Vida), que faz uma análise da problemática do homossexualismo à luz do cristianismo histórico, o bispo destaca que é fundamental preservar as liberdades filosófica, religiosa e de expressão, inclusive em relação a este tema. “Isso é importante para o bem-comum do país como um todo, e não só para a Igreja”, conclui.

"Facada no cristianismo"

Deputado estadual pelo PTB e primeiro vice-presidente da Assembléia Legislativa de São Paulo, o pastor Waldir Agnello tem acompanhado de perto a polêmica sobre o reconhecimento do homossexualismo na sociedade brasileira. Há pouco mais de um ano, ele foi um dos principais críticos de um espetáculo bizarro – a performance de um transformista em pleno Parlamento paulista –, mas deixa claro que sua postura contrária é amparada pelos princípios cristãos nos quais acredita, sem nenhuma discriminação aos homossexuais ou a qualquer outro grupo. Ministro ordenado pela Igreja do Evangelho Quadrangular, Agnello não tem exercido o pastorado em nenhuma igreja específica em função do mandato parlamentar. Nessa entrevista, ele fala sobre o acirramento da questão homossexual na sociedade e o projeto de lei que visa punir a chamada homofobia:

JDM - Recentemente o senhor apresentou um projeto para a revogação da lei estadual 10.948/01, que pune a discriminação por orientação sexual no Estado de São Paulo. O que tem a falar a respeito?
WALDIR AGNELLO - Ao meu ver, essa lei é inconstitucional, porque estabelece penalidades, sanções, até sob crime, a discriminação aos homossexuais. O ponto que está sendo colocado ai é a sua ilegalidade, compete apenas e tão somente ao Congresso Nacional legislar sobre direito penal e não às assembléias legislativas e nem as câmaras municipais. Para entender como não há nenhum apelo homofóbico nessa atitude, vou tentar traduzir com um exemplo: se um casal de homossexuais estiver num restaurante trocando caricias, e o dono pedir para que não ajam dessa maneira, eles podem ir a uma delegacia e denunciá-lo. Na primeira vez, o proprietário pode ser multado, na segunda a multa triplica e na terceira ele pode até ter o alvará cassado. Agora, se acontecer a mesma situação com um casal de heterossexuais, ele não tem onde reclamar. Portanto, meu pedido de revogação a lei é por estarmos incorrendo em privilégios. Já estamos acobertados pelos direitos civis, não precisamos de outra lei.

De acordo com a bancada evangélica do senado, apesar do número reduzido de cristãos, a lei da homofobia dificilmente será aprovada. O senhor também compactua desse otimismo?
Estou otimista, acho que isso faz muito sentido. Não precisa haver uma lei exclusiva, isso é dar privilegio a uma categoria. Estarão cometendo um grande erro, uma inconstitucionalidade se aprovarem. Acredito que no Senado haverá uma resposta coerente, e a sociedade vai aprender a respeitar o homossexualismo na medida que o homossexualismo aprender a respeitar a sociedade. Essa relação independe de lei, os homossexuais precisam conquistar seu espaço e acho que estão conquistando, tantos que existem muitos adeptos do que ganharam o respeito da sociedade.

Um fato que causou muita polêmica e agitou a Assembléia Legislativa foi a performance de um transformista, organizado pelo deputado Carlos Gianazzi , numa manifestação em defesa da lei da homofobia. Como o senhor reagiu a esse episódio?
Isso foi muito triste para o parlamento paulista, muito desagradável trazerem para a assembléia, uma casa de leis, uma pessoa vestindo calcinha e sutiã. Isso não tem nada a ver com essa pessoa ser homossexual, se fosse uma mulher a minha reação seria a mesma. Aqui dentro eu penso pelos meus valores, convicções e interpretação regimental, tudo que desrespeita nosso regimento, avilta a sociedade e não contribui de nenhuma forma positiva para a imagem do nosso parlamento. Eu teria um grade conflito interior se ficasse omisso, , então eu fiz uma questão de ordem ao presidente apresentando minha indignação e solicitando providências.

E quanto aos demais? Como eles reagiram?
No primeiro momento, a grande maioria não tinha conhecimento do que estava acontecendo, mas a partir do momento em que começaram a ver as imagens, a indignação foi muito grande; até mesmo os que apoiam o movimento homossexual não concordaram com essa atitude.

Esse episódio pode influenciar o Senador na hora da votação da lei da homofobia?
Pode sim influenciar, e não somente no Senado como também no meu projeto de lei estadual. Duas coisas agora acabam quase que se juntando, e eu já estou vendo isso acontecer. Quem perde com isso é o movimento GLBTS porque a sociedade está vendo que esse movimento não pode ser desregrado, não pode querer se insurgir de uma forma a neutralizar ou atravessar os direitos dos outros. Caso contrário, daqui a pouco vamos ter uma outra ração, uma outra etnia, uma classe de privilegiados, e não é essa a proposta.

Considerando a hipótese de aprovação da lei, o que pode trazer de conseqüências para a sociedade e a igreja brasileira?
Digamos que uma abertura muito perigosa, porque o texto dessa lei diz que até materiais escritos contrários aos homossexuais serão passíveis de serem apreendidos. Isso nos remete diretamente à Palavra de Deus, vamos que jogar nossas bíblias fora e editar uma nova, pois ela deixa claro que o homossexualismo está fora do padrão de vida normal estabelecido por Deus. Um pastor vai ter sérias dificuldades de conduzir o culto, e vai ficar sujeito às mesmas sanções que eu simbolizei com o dono do restaurante. Então, para o meio cristão – não só evangélicos, mas os católicos, os presbiterianos, adventistas –, todos terão sérios problemas. A aprovação dessa lei seria ao uma facada muito profunda na história do cristianismo.

Já que o senhor citou os católicos, eles defendem princípios bíblicos diferentes dos evangélicos. Não seria um momento propício de se unirem contra a aprovação da lei?
Com certeza, eu diria que os católicos e os evangélicos somados são a maioria absoluta na sociedade, então uma junção de forças traria um final muito feliz. O movimento de GLBTS pode ficar muito tranqüilo, pois as discriminações, perseguições, espancamentos não partem dos que conhecem os princípios da Palavra de Deus. Eles estão se preocupando com as pessoas erradas, têm que tomar cuidado com as gangues, com os grupos menores que acabam praticando atos violentos contra o próximo, independente de serem homossexuais ou mendigos.

Voltando a questão à atitude do deputado Carlos Gianazzi ao levar uma transformista para a assembléia, o senhor pediu a cassação dele por falta de decoro parlamentar?
Quero que fique bem claro que eu não pedi a cassação dele, mas providências. Providencias. Meu dever de ordem aponta a falha, eu poderia estar levando essa questão direta poro conselho de ética ou corregedoria, no entanto encaminhei para o presidente da assembléia. Se entender que houve excessos, ele vai encaminhar o assunto para esses fóruns, que definirão as penalidades: advertência, suspensão temporária ou cassação do mandato. Não cabe a mim determinar a pena, mas apontar o erro.

Fonte: Revista Eclésia - Edição 121
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quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

UMA NOITE DE DORES E LÁGRIMAS

Teto do templo-sede da Igreja Renascer em Cristo desaba em São Paulo, fazendo nove vítimas fatais

José Donizetti Morbidelli

Praticamente dois anos depois do imbróglio envolvendo o casal Estevam e Sônia Hernandes, os fundadores da Igreja Apostólica Renascer em Cristo – eles foram presos nos Estados Unidos por entrar com dinheiro ilegalmente no país –, os fiéis da denominação sofreram mais um duro golpe no mês passado. E este, de contornos muito mais trágicos. No fim da tarde do dia 19 de janeiro, entre um e outro culto no templo-sede da igreja, no bairro do Cambuci, zona sul de São Paulo, centenas de pessoas foram surpreendidas com o desabamento do teto do imóvel, adaptado de um antigo cinema. Em questão de segundos, o ambiente de espiritualidade se transformou num pandemônio, com pessoas correndo desesperadas sem saber exatamente o que estava acontecendo. Logo, as imediações da Avenida Lins de Vansconcelos, onde fica a sede da igreja, ficou completamente tomada por viaturas de polícia, carros do Corpo de Bombeiros, ambulâncias, profissionais de imprensa e centenas de curiosos. O céu da região – tão diferente daquela pintura azul celeste que decorava as paredes internas do templo – foram tomados por helicópteros. Mas o pior acontecia lá dentro. Sob os escombros, dezenas de pessoas ficaram feridas, algumas de maneira fatal. Até o fechamento desta reportagem, os números oficiais apontavam nove mortos.
Um campo de futebol de terra batida do Parque da Aclimação virou um centro de resgate das vítimas, que iam sendo embarcadas rumo aos hospitais da região central da capital paulista. A tragédia, além de assustar a vizinhança e os transeuntes que passavam pelo local, já no início da noite, mudou completamente a rotina do bairro. De acordo com Norma Cristina Ribeiro, que mora na rua que faz fundos com a igreja, o barulho causado pelo desabamento se assemelhava ao som de um rojão. "Era um estrondo forte, parecido com uma coisa caindo", comparou. Já Sebastiana Silva Gonçalvez, não menos assustada que a vizinha, pensou se tratar da queda de um grande avião, como o Airbus da TAM que se espatifou nas imediações do aeroporto de Congonhas, em julho de 2007 – outro trauma na memória do paulistano. "Foi muito assustador. Os vizinhos saíram correndo para ver o que havia acontecido e começaram a ajudar", conta.
A tragédia, que deixou mais de uma centena de feridos e nove vítimas fatais – todas mulheres, entre elas uma senhora de 80 anos e uma adolescente de 15 –, poderia ter sido ainda maior caso não tivesse acontecido no intervalo entre duas reuniões. Na hora do acidente, às exatas 18h56, muitos fiéis deixavam o local, enquanto outros se preparavam para entrar. A sede da Renascer tem capacidade para abrigar cerca de 2 mil pessoas e, de acordo com os bombeiros e a própria assessoria de imprensa da igreja, cerca de 400 frequentadores se encontravam no interior no momento do desabamento. Precavida contra a possibilidade de desmoronamento das paredes laterais e dos fundos da igreja, o coronel Orlando Camargo, coordenador-geral da Defesa Civil Municipal, achou por bem interditar vários imóveis localizados nas imediações. Assim, os moradores têm contado com a solidariedade dos vizinhos até que suas casas sejam liberadas. Até um estabelecimento comercial que fica ao lado do prédio, de frente para a Lins de Vasconcelos, teve que ser fechado.

"Inconcebível" – Enquanto as eventuais causas do desabamento estão sendo analisadas pelos peritos do Instituto de Criminalística (IC), algumas hipóteses começam a ganhar força. Uma delas, segundo a Defesa Civil, pode ter sido o peso acarretado pela grande quantidade de aparelhos de ar condicionado instalados no teto do prédio. A última reforma realizada na cobertura aconteceu há cerca de dez anos, por determinação do Departamento de Habitação e Urbanismo da Prefeitura. Ainda de acordo com o órgão, na época as exigências foram prontamente adotadas pela direção da denominação, motivo pelo qual o imóvel foi liberado para a realização dos cultos. "Para nós, o desabamento foi uma total surpresa. É inconcebível que um teto reformado em 1998 caia dez anos depois", afirma Mabel Prietto de Souza Tucunduva, promotora da Justiça de Habitação e Urbanismo. Segundo ela, no ano passado, a Renascer apresentou um novo certificado atestando a segurança do local, com base num laudo técnico elaborado por um engenheiro particular e aceito pela Prefeitura.
Ademir Alves do Amaral, superintendente operacional do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia de São Paulo (Crea), também esteve analisando os escombros, mas ainda acha cedo para apontar o que poder ter provocado a tragédia. "São diversas hipóteses: sobrecarga, falha de manutenção, falha de projeto. Estão citando até cupins. Não dá para saber agora, mas pode ser um somatório de fatores", afirma. O engenheiro disse ainda que o Crea vai acompanhar atentamente o trabalho dos peritos da polícia.
Depois da tragédia, o governador do Estado de São Paulo, José Serra, e o prefeito da capital, Gilberto Kassab, estiveram no local. Serra, inclusive, quase foi atingido por um aparelho de ar condicionado que despencou a poucos metros de onde estava. Kassab, no dia seguinte, vistoriou os destroços e reafirmou o compromisso de criar a Secretaria Especial de Controle Urbano, órgão que assumiria as funções do Departamento de Controle e Uso de Imóveis (Contru), atuando na prevenção e fiscalização do uso de edificações na cidade de São Paulo. Só que para ser aprovado, o projeto ainda tem que passar pelo crivo da Câmara Municipal.

Assistência ampla – Consternado, o casal Hernandes – que cumpre pena em prisão domiciliar nos Estados Unidos por crimes de conspiração e contrabando de dinheiro –, emitiu nota sobre a tragédia ocorrida na célula-mãe da igreja, justificando que deve haver algum propósito para tamanho sofrimento dos fiéis. "Foi uma grande fatalidade o que ocorreu. Nosso coração está enlutado, sofrendo muito, pelas vidas, pelas vítimas, pela situação, pela calamidade. Esperamos que Deus possa enxugar nossas lágrimas com milagres", diz o texto. Por muito pouco a filha do casal, Fernanda Hernandes Rasmussen, poderia ter sido mais uma das vítimas da tragédia. Presa ao trânsito, a apresentadora chegou ao templo, com o filho, apenas alguns minutos após o desabamento. Assim como uma legião de voluntários que se encontravam no local, ela foi mais uma a ajudar no socorro às vítimas e orientação aos bombeiros.
Não menos preocupado ficou o jogador de futebol Kaká, o mais ilustre membro da denominação. A cerimônia de casamento do astro da bola foi realizado ali mesmo no templo-sede, em dezembro de 2005. Ao saber da tragédia pela internet, o craque do Milan teria telefonado para saber mais detalhes sobre o acontecimento. De acordo com sua assessoria, nenhum parente ou amigo do atleta ficou ferido. A fidelidade do craque com os princípios bíblicos e a Renascer em Cristo é tão grande que, como forma de agradecimento pelas conquistas pessoais e por ter se livrado do risco de ficar paraplégico após um acidente ocorrido numa piscina aos 18 anos, o jogador chegou a doar à igreja o troféu de Melhor Jogador do Mundo, ganho em 2007. "Quero agradecer a Deus por todas as vitórias e conquistas que tive nesse ano como jogador e trago aqui ao altar dois prêmios: um é meu filho que está chegando, fruto de uma palavra profética que recebi do apóstolo Estevam; outro é esse troféu da Fifa, que quero consagrar a Deus e deixar aqui na igreja", declarou, na época.
Apesar da possibilidade de alguns fiéis recorreram à Justiça visando serem indenizados, a assessoria da Igreja Renascer informou que dará toda assistência às vítimas e suas famílias, custeando as despesas com os funerais, tratamentos hospitalares dos feridos e reparos dos danos ocasionados nos imóveis vizinhos. O advogado criminalista Ademar Guerra não acredita que a igreja venha a ser processada pelas vítimas do desabamento, em virtude do bom relacionamento que existe entre as partes. "Muitos fiéis têm uma ligação afetiva com a igreja e preferem processar a Prefeitura", afirma.

Igreja multimídia – Com mais de 2 milhões de fiéis, números que fazem dela a segunda maior denominação neopentecostal do Brasil, em pouco mais de vinte anos, desde a sua fundação, em 1986, a Igreja Renascer espalhou suas células por uma infinidade de países. Atualmente, estima-se que sejam mais de 1,2 mil templos, distribuídos por todos os estados brasileiros, e ainda América Latina, Estados Unidos, Europa e Japão. Tal crescimento se deve, e muito, às ações perpetradas pela igreja, que tem se consolidado na organização de grandes eventos populares, como a Marcha para Jesus – anualmente, o evento atrai cerca de 2 milhões de pessoas na maior cidade brasileira – e o SOS da Vida, festival musical que também faz parte do calendário evangélico. No segmento musical, o grupo de louvor Renascer Praise é considerado um dos mais importantes da América Latina. Em novembro do ano passado, comemorando o 15º aniversário do ministério, a gravação do álbum Renascer Praise 15 aconteceu na sede da igreja, a mesma que agora não passa de um monte de entulho.
Para levar adiante todos seus projetos de caráter social e eventos evangelísticos, a Igreja Renascer conta com uma estrutura midiática de causar inveja a grandes empresas de comunicação do país. A principal delas é a Rede Gospel, emissora de TV com sede na cidade de São Paulo que transmite programações e eventos relacionados à igreja para todo o Brasil, e via satélite para outros países.
Contudo, apesar de extremamente popular entre o público evangélico, há cerca de dois anos a igreja começou a se tornar conhecida e comentada também por outros motivos, nada espirituais. A prisão de seus líderes, em janeiro de 2007, nos Estados Unidos, deixou a denominação de pernas para o ar. De lá para cá, muita coisa aconteceu na vida do casal Estevam e Sônia, que cumprem pena domiciliar e aguardam autorização da Justiça dos EUA para retornar ao Brasil. Mesmo assim, os cultos realizados na sede da igreja continuavam atraindo milhares de fiéis, pelo menos até a fatídica noite de 19 de janeiro.
A tragédia ocorrida na Renascer da Lins de Vasconcelos teve grande repercussão também no exterior. Na Argentina, o jornal La Nación destacou a fama da igreja por ter sido escolhida para o casamento do jogador Kaká, mesma postura adotada pelo espanhol El Pais. "Kaká, de fortes convicções religiosas, é um fiel colaborador da Renascer. O desportista consagrou seu matrimônio com Caroline Celico na mesma paróquia cujo teto caiu", informou o noticioso madrilenho. Já o norte-americano The New York Times e a rede CNN enfatizaram a quantidade de pessoas que, supostamente, se encontravam no local e os números de vítimas. Mais uma vez, os líderes da denominação tiveram que acompanhar seus nomes pautando notícias dos principais veículos de comunicação do país e do mundo, mas com uma grande diferença: dessa vez, suas fotos não estamparam as páginas policiais.

Fonte: Revista Eclésia - Edição 131

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terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

AMISH - JEITO SIMPLES DE SE VIVER

Em pleno século 21, comunidade amish abre mão do conforto da modernidade para manter intactas sua fé e suas tradições

José Donizetti Morbidelli

Eles são mais conhecidos pelas imagens do cinema do que na vida real. Afinal, são extremamente reservados e evitam contatos mais próximos com a sociedade que os cerca. As roupas, conservadoras, são uma de suas marcas – sempre metidos em escuros ternos pretos, com o chapéu obrigatório para os homens e os vestidos compridos e recatados das mulheres. Mesmo com todo o avanço tecnológico e as facilidades do mundo moderno, os amish ainda hoje se abstêm de tudo o que julgam supérfluo para sua sobrevivência. Diversas de suas comunidades no interior dos Estados Unidos ou do Canadá vivem do mesmo jeito que seus antepassados de dois, três séculos atrás. Extremamente religiosos, seu cotidiano divide-se entre o trabalho, quase sempre no campo, os cuidados com a família e as rígidas regras de um cristianismo bem radical nos costumes. Contudo, manter-se fiéis às raízes não quer dizer que eles vivam totalmente estagnados no tempo e que não gozem de muita fartura. Geralmente donos das terras onde vivem e da qual tiram o sustento, os amish têm uma profunda relação com Deus e fazem o possível para seguir à risca sua Palavra. A formação da comunidade amish deve-se à dissidência de um grupo de menonitas que, por volta de 1690, liderados por Jacob Ammann, formou uma nova classe – os anabatistas ou rebatizados. A razão da cizânia foram divergências de cunho litúrgico, como por exemplo o rito da comunhão. Enquanto uma parte defendia a celebração do sacramento uma vez por ano e sem qualquer restrição à presença de gente de fora do grupo, os seguidores de Ammann preferiam comungar pelo menos duas vezes ao ano e defendiam a separação total dos não-adeptos às suas crenças. Assim, formou-se o grupo cristão protestante, e o rebanho de Ammann, cujo princípio fundamental consiste na simplicidade como parâmetro de uniformidade entre os membros, ganhou a América por volta de 1720. Àquela altura, iniciou-se a imigração dos descendentes suíços para o Novo Mundo, especialmente para os estados americanos da Pensilvânia e Ohio, levando na bagagem a herança de uma doutrina reformista e no pensamento os ideais de humildade e desprendimento do mundo material. Tudo o que remetia à idéia de orgulho e vaidade pessoal – hochmut, em alemão –, não fazia parte do cotidiano dos amish mais conservadores.
Até hoje, os chamados da “velha ordem” vivem de maneira extremamente ascética. Automóveis, energia elétrica, televisão, telefone, computador e até mesmo objetos de decoração devem ser evitados. O zelo chega ao ponto de se substituir os botões de casacos por colchetes, para assim se evitar a “vaidade”. Além da Bíblia Sagrada, interpretada de maneira fundamentalista, os amish se regem pela Ordnung, conjunto de tradições que, embora não escritas, define como deve ser a vida, com atenções voltadas exclusivamente para a fé, a família e a comunidade. Contudo, a ordem não se restringe apenas a questões de cunho religioso, mas a tudo que tange ao convívio social do grupo, como por exemplo a aquisição de um novo equipamento agrícola. Mesmo assim, cada novo aparato que chega não pode causar grande impacto e só será aceito pela ordem após uma rigorosa análise e a comprovação definitiva de que não se trata simplesmente de um objeto de desejo de alguém.

Fiéis às tradições – “Ainda existem colônias menonitas que vivem, hoje, preservando as tradições antigas, sem se envolver com a modernidade”, afirma o pastor Gerson Santana de Oliveira, 40 anos, ligado à Aliança Evangélica Menonita (AEM), denominação com presença mais destacada no sul do Brasil. “A exemplo do Ordnung dos amish, os menonitas têm a declaração de fé, que traz as crenças de uma doutrina cristocêntrica e que também serve de programa de ação obediente”, compara. Como os amish não têm templos para as orações, os cultos são realizados nas próprias casas – e, para garantir que nenhuma fique de fora, é realizado uma espécie de rodízio organizado pelos próprios membros da comunidade. Um número excessivo de carroças estacionadas numa manhã qualquer de domingo em frente a uma determinada residência é evidência de cerimônia religiosa. “Eles não vêem necessidade de uma construção específica para os ritos cristãos, uma vez que possuem casas e celeiros espaçosos onde podem abrigar os cultos”, continua o pastor menonita.
A educação também merece especial atenção. Nas escolas, em apenas oito anos de currículo as crianças amish aprendem apenas o que a comunidade julga essencial para enfrentar a vida adulta, como o básico de inglês e alemão, religião e noções de matemática. Ensino superior nem pensar; para que os jovens fossem liberados dos estudos antes de completar a maioridade, os amish se viram forçados a travar uma árdua batalha com os órgãos oficiais dos Estados Unidos até que, em 1972, a Suprema Corte facultou-lhes esse direito. “Para eles, é a Igreja que determina as qualificações, em vez do Estado. Eles simplesmente crêem que uma educação limitada é suficiente para as suas necessidades básicas”, destaca Gerson. “Os amish têm muito a ensinar à sociedade atual, como o uso racional da energia, a ajuda mútua, a simplicidade e o cultivo da terra e seus cuidados”, explica. A vida sentimental dos amish é um capítulo à parte. Geralmente, os futuros casais se conhecem ainda na infância, mesmo que façam parte de distritos diferentes. Os encontros românticos acontecem aos olhos de todos, nos cultos religiosos ou então em eventos de natureza recreativa. Hoje, até se permite aos namorados um mínimo de privacidade, desde que não transgridam regras rígidas de recato e moralidade. O outono, depois das colheitas, é a época preferida para os casamentos. Porém, antes da consumação da união, há uma série de formalidades. O noivo é obrigado a notificar tudo à família da futura mulher e a comunidade precisa ser informada do compromisso. Depois de casados, os homens deixam crescer a barba, mas sem bigodes, já que o adereço é associado às Forças Armadas. Por serem pacifistas, os amish se recusam a prestar o serviço militar.
No filme A Testemunha (Paramount, 1985, direção de Peter Weir), o astro Harrison Ford encarna um policial que se integra a uma comunidade amish para investigar um crime. Rodado numa pequena cidade norte-americana, o filme mostra o choque cultural entre o personagem, habituado à rotina violenta da cidade grande, e o estilo pacato do grupo de homens de preto e mulheres de véu, para quem a justiça só pode ser praticada por Deus. Apesar de elogiado pela crítica na época e de ter conquistado o prêmio de melhor roteiro original em Hollywood, o longa não fez sucesso entre aqueles que deveriam se sentir retratados na telona. Os amish da cidadezinha de Intercourse, na Pensilvânia, que se “atreveram” a assistir ao filme, consideraram-no extremamente liberal e não condizente com seus hábitos e suas crenças. Um das cenas mais criticadas é quando Ford leva uma moça amish pela qual se apaixonara para dançar dentro de um celeiro, ao som de Wonderful World, de Sam Cooke – um evidente absurdo, já que, para qualquer amish cioso de sua fé, músicas mundanas seriam uma evidente afronta ao nome do Senhor.

Fonte: Revista Eclésia - Edição 126

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